terça-feira, 27 de setembro de 2016

Hillary tem ampla vitória no primeiro debate com Trump

Com firmeza, segurança, bom humor e domínio dos fatos, evitando um tom professoral, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, do Partido Democrata, teve nítida superioridade sobre o bilionário Donald Trump, do Partido Republicano, no primeiro debate dos principais candidatos eleição presidencial de 8 de novembro de 2016 nos Estados Unidos, realizado ontem à noite.

Trump não começou mal. No início, se controlou e parecia presidenciável. Atacou Hillary por acordos comerciais que acusou de destruir empregos nos EUA e tentou caracterizá-la como uma política tradicional distante do dia a dia do cidadão comum. Mas mentiu ao dizer que a Ford está se mudando para o México. A empresa vai produzir carros compactos no México, mas promete não reduzir nem um emprego nos EUA.

Logo a candidata democrata conseguiu explorar as vulnerabilidades de Trump, sua recusa em divulgar sua declaração de renda, perguntando "o que ele tem a esconder?" Numa de suas tiradas que funcionaram nos debates da eleição primária do Partido Republicano, ele afirmou que apresentaria sua declaração se Hillary revelasse as 33 mil mensagens de correio eletrônico do tempo em que era secretária de Estado que foram apagados.

Numa irresponsabilidade capaz de comprometer segredos da segurança nacional dos EUA, Hillary usou uma conta pessoal de e-mail quando chefiava a diploma americana. Ela admitiu o erro e pediu desculpas.

O republicano não insistiu no assunto, uma das grandes vulnerabilidades da adversária. Também não explorou o financiamento da Fundação Clinton, que recebeu doações de monarquias petroleiras nada democráticas do Oriente Médio.

Hillary atacou-o na questão da declaração de renda, lembrando que em alguns anos Trump não pagou impostos ao governo federal. Ele foi obrigado a revelar isso quando tentava conseguir licença para um cassino em Atlantic City, observou a democrata.

Ao não revelar sua declaração de renda, Trump esconde sua participação em empresas e negócios capazes de criar conflitos de interesses com a Presidência dos EUA. Em uma das muitas interrupções indevidas, ele atropelou a fala de Hillary dizendo que é "esperto".

Depois do debate, em entrevista, Trump alegou que não gosta da "maneira como o governo gasta nossos impostos" para justificar suas manobras de evasão fiscal na esperança de sensibilizar o eleitor conservador que acha excessiva o peso da máquina do Estado sobre o cidadão comum. Mas esse é um eleitor que provavelmente já votaria nele. O resto deve ter se indignado com a "esperteza" de um bilionário para não pagar impostos.

Em segurança nacional e defesa, a ex-secretária de Estado também ganhou pontos, lembrando que os acordos internacionais assinados pelos EUA precisam ser mantidos, especialmente na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar ocidental, base da política externa americana no pós-guerra.

Entre suas tiradas irresponsáveis, Trump ameaçou não defender os aliados, rompendo a regra básica da aliança atlântico de que "um ataque contra um é um ataque contra todos". Hillary lembrou que este princípio só foi invocado uma vez, depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 contra os EUA.

Hillary também cutucou Trump na questão nuclear. Ela destacou que a não proliferação nuclear é política dos EUA há décadas para tentar reduzir o número de armas atômicas e evitar que mais países tenham acesso à bomba. Em declaração recente, o republicano disse que não teria problemas com uma guerra nuclear na Ásia.

Quando o republicano criticou o acordo nuclear com o Irã, a democrata perguntou: "Qual a alternativa? Iniciar uma nova guerra."

O apelo de Trump à Rússia para que pirateasse o correio eletrônico da secretária de Estado foi apresentado por ela como uma traição aos interesses dos EUA e uma aproximação com o presidente russo, Vladimir Putin, que tomou várias medidas para prejudicar os interesses americanos.

Entre outras mentiras, o republicano afirmou que Hillary passou a vida inteira combatendo o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que existe desde 2013. Trump argumentou que o Estado Islâmico está mais forte do que nunca. Ela não explorou o fato de que a organização terrorista está perdendo territórios na Síria e no Iraque.

Tanto Hillary quanto o mediador desmentiram Trump quando ele alegou que ter sido contra a invasão do Iraque em 2003. Ela também lembrou que o republicano atribuiu a tese de que o homem é responsável pelo aquecimento global a uma "fraude" criada pela China para minar a economia dos EUA.

No debate econômico, a democrata ironizou a proposta de Trump de corte de impostos no valor de US$ 10 trilhões, alegando que seria uma repetição das políticas neoliberais que levaram à Grande Recessão de 2008-9. Sua proposta é aumentar impostos para os ricos e lançar um grande programa de obras de infraestrutura para preparar um país para novo ciclo de crescimento. Ela não se esqueceu de elogiar a recuperação econômica e a geração de empregos no governo Barack Obama.

Favorito dos brancos sem curso superior abalados diretamente pela globalização da economia, Trump também fracassou em sensibilizar os eleitores de minorias raciais. Sobre a violência de polícia contra negros, revelada em várias mortes filmadas por telefones celulares, limitou-se a dizer que é um problema de "segurança pública".

Para Hillary, há um "racismo institucional" que torna os negros suspeitos. Foi a primeira vez que um candidato usou a expressão num debate nacional. Isso foi muito elogiado por entidades que lutam pelos direitos da minoria negra. Ela defendeu a criação de uma polícia comunitária, que estabeleça uma relação direta com o cidadão para evitar mortes de negros inocentes.

A imigração e a situação dos latino-americanos praticamente ficaram fora do debate. Hillary não defendeu o México, mas admitiu renegociar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), negociado por seu marido, o então presidente Bill Clinton, descrito por Trump como "um dos piores acordos comerciais da história".

Em outro duro golpe, Hillary acusou Trump de chamar uma vencedora de um concurso de beleza que ele patrocinou de Miss Porquinha porque ela engordou e Miss Empregada Doméstica porque a então Miss Universo Alicia Machado é venezuelana, tem origem latino-americana. No seu estilo rasteiro, ele respondeu hoje que "ela foi a pior de todas as misses" que conheceu.

Por fim, a candidata também o atacou por ter chamado mulheres de "cachorras" e "porcas", tentando sedimentar sua ampla vantagem no eleitorado feminino. Sem argumentos, o magnata imobiliário alegou que Hillary não tem a energia necessária para ser presidente.

"Viaje para mais de cem países, negocie acordos de paz e libertação de reféns, e enfrente um depoimento de 11 horas no Congresso antes de dizer que não energia", reagiu Hillary.

Foi uma ampla vitória. Não deve mudar a opinião do eleitor decidido a votar em Trump, mas certamente deve pesar na decisão dos indecisos.

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